
A recuperação de 100% da dívida ativa (impostos não pagos) dos sete municípios do ABC seria suficiente para cobrir os gastos locais com Saúde pelo período de sete anos e três meses. É o que revela estudo publicado na 14ª carta de conjuntura do Observatório de Políticas Públicas e Empreendedorismo da Universidade Municipal de São Caetano (Conjuscs), lançada na última terça-feira (27).
Segundo o estudo, que utiliza dados do Sistema de Informações Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), os contribuintes deviam R$ 13,2 bilhões às sete prefeituras em 2019, valor quase R$ 2 bilhões superior à receita realizada pelas administrações municipais no mesmo ano (R$ 13,1 bilhões). O montante também equivale a 7,28 vezes os gastos municipais na Saúde bancados com recursos próprios (R$ 1,8 bilhão).
“A gestão da dívida ativa é colocada em segundo plano quando se discute a capacidade de financiamento do setor público. Também é maltratada na medida em que, na maioria das vezes, são empregados programas de recuperação de crédito com anistia de multa e juros altamente benéficos aos devedores”, comentou o economista e coordenador-adjunto do observatório, Francisco Funcia, um dos autores do estudo.
Ainda segundo a nota técnica, o estoque da dívida ativa dos sete municípios cresceu 37,2% em termos reais (descontada a inflação) entre 2015 e 2019 (veja quadro acima). Na mesma comparação, a receita orçamentária própria avançou 15,6%, para R$ 5,8 bilhões.
A Prefeitura de Ribeirão Pires foi a única a reduzir a dívida ativa no período analisado, em 19,4%. No sentido contrário, Santo André teve seu estoque ampliado em mais de 100%.
Funcia atribui o elevado estoque de dívida ativa na região à falta de eficiência e inteligência fiscal – que se expressa, por exemplo, em bases de dados de contribuintes desatualizadas. “Além disso, a maioria dos municípios, e não me refiro só ao ABC, possui quadro técnico na área tributária em quantidade insuficiente para dar conta da gestão da dívida ativa”, explicou.
Um exemplo de ineficiência tributária é o de Mauá, que tem estoque de dívida ativa (de mais de R$ 3 bilhões) sete vezes superior à receita orçamentária própria obtida no ano passado (R$ 412 milhões).
O economista ressaltou a necessidade de priorizar a recuperação da dívida ativa com o objetivo de minimizar a crise fiscal decorrente da pandemia do novo coronavírus. Funcia lembrou que o governo federal já sinalizou, no projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) da União para 2021, corte de R$ 35 bilhões nos gastos com Saúde, o que deve levar à redução das transferências para Estados e municípios.
Para reduzir o estoque, Funcia defende a realização de campanhas de conscientização para mostrar aos contribuintes a importância dos tributos e em quais áreas os recursos são empregados. Além disso, entende que a anistia de multa e juros não pode ser adotada em “hipótese nenhuma”, porque estimula a inadimplência.
“Se o contribuinte não pagou, parte-se do pressuposto de que teve dificuldade financeira pontual. Do que precisa, então? De prazo compatível com sua capacidade de desembolso. Porém, é preciso cobrar o encargo moratório, porque funciona como reparação à sociedade por não ter recebido o tributo no momento adequado para financiar as políticas públicas”, argumentou o economista.