À luz do entardecer de um domingo de verão, cerca de 30 felizardos acompanham, em uma praia rochosa, as atrizes Sofia Pekkari e Nina Zanjani interpretarem um trecho da peça “Deformed Persona” (Persona deformada).
“Tento me dividir em duas”, diz uma delas. “Tento pensar em corpo e alma, carne e ar, tentando realmente, sinceramente, observar a mim mesma do lado de fora, de cima.”
Realizada em homenagem aos 50 anos do lançamento de “Persona”, a performance encerrou, em 3 de julho, a Bergmanveckan (Semana Bergman, o evento anual dedicado ao cineasta e organizado pelo Bergmancenter) de 2016.
Não haveria lugar melhor para a celebração: o trecho de praia da ilha de Fårö (Suécia) onde o filme foi rodado, em 1965, a poucos metros do local que mais tarde Bergman escolheria para viver e morrer.
Parte das homenagens à obra-prima do diretor sueco chega a São Paulo na programação da 40ª Mostra Internacional de Cinema, com a exposição “Por Trás da Máscara – 50 Anos de Persona” e a exibição de cópia digital restaurada do filme, na quinta (20), ambas no Itaú Cultural.
Poucos filmes em 120 anos de cinema renderiam uma exploração vertical (e sensorial) como a que faz a exposição, com curadoria e concepção artística (100% brasileira) de Helen Beltrame-Linné, diretora do Bergmancenter desde 2014, e Murilo Hauser.
A versão paulistana é ligeiramente maior do que a de Fårö, cobrindo desde as origens do projeto até as referências para as quais “Persona” aponta. Para admiradores de Bergman, é um passeio extraordinário pelo seu universo temático e formal.
Apesar disso, também não consegue (e alguém conseguiria?) esgotar o filme. Ao contrário, e melhor: abre janelas para campos de observação e interpretação que o espectador pode explorar na próxima vez em que voltar a ele.
Os jovens diretores da nouvelle vague e de outros cinemas novos dos anos 1960 lideravam a cena autoral quando Bergman ensaiou, na acepção mais experimental do termo, uma pequena fuga moderna a suas próprias convenções.
Em “Persona”, ele se distanciou do registro estético que o havia consagrado em filmes como “Morangos Silvestres” (1957) e “O Sétimo Selo” (1957), ao mesmo tempo em que continuou a abordar seus grandes temas.
Uma espécie de “Bergman 2.0”, que encafifou e seduziu muitos com sua aura simbólica. Filme-enigma que convida a “decifrá-lo”, mas com espaço para análises, devido às múltiplas portas de entrada.
Há uma atriz veterana que emudece durante uma apresentação de “Electra” (Liv Ullmann) e uma jovem enfermeira encarregada de seus cuidados (Bibi Andersson). Mas há também as imagens antológicas da sequência de créditos e do prólogo, algumas das quais retornam.
No Brasil, foi lançado com o título “Quando Duas Mulheres Pecam”. Não é uma leitura só moralista, o que combina com a atual onda reacionária no país, mas redutoramente tola. Mercadologicamente oportunista, sem dúvida.
“Minha concepção fundamental é justamente não ter concepção fundamental”, disse Bergman em 1968. “Minhas ideia sobre a vida, que eram extremamente dogmáticas no começo, se tornaram mais flexíveis pouco a pouco. Hoje elas não existem mais, não são mais as mesmas.”
Serviço – “Por Trás Da Máscara”. Onde: Itaú Cultural, avenida Paulista, 149, tel. (11) 2168-1777. Quando ter. a sex., das 9h às 20h; sáb., dom. e fer.; das 11h às 20h; até 6/11. Quanto grátis.