
O governo federal deve editar nos próximos dias uma nova medida provisória (MP) para deixar explícito que a flexibilização da suspensão de contratos de trabalho durante a crise do novo coronavírus está condicionada à garantia do pagamento de ao menos um salário mínimo (R$ 1.045). O novo arranjo será feito após um primeiro texto enviado pelo presidente Jair Bolsonaro ter sido interpretado como salvaguarda para empresas interromperem os contratos sem nenhum pagamento de salário.
Essa percepção gerou pânico nos trabalhadores e revolta no Congresso Nacional.
Uma primeira MP publicada na noite de domingo dizia que, na negociação para a suspensão do contrato, o empregador poderia conceder ao empregado ajuda compensatória mensal “com valor definido livremente entre empregado e empregador”.
Partidos políticos ameaçaram ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a MP, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tem dialogado com a equipe econômica sobre as medidas, classificou o texto de “capenga”.
O barulho foi tanto que o presidente Jair Bolsonaro foi ao Twitter dizer que o dispositivo seria revogado depois que a hashtag #BolsonaroGenocida chegou aos trending topics da rede social. O presidente é profundamente sensível aos movimentos das redes. Bolsonaro também ficou decepcionado com a equipe econômica por “apanhar” devido à medida. A interlocutores, disse assinar tudo que o Ministério da Economia manda por confiar no time do ministro Paulo Guedes.
Uma reunião no Palácio do Planalto foi feita para discutir o problema. Mais tarde, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, disse em coletiva no Planalto que houve “descasamento”, uma vez que a medida que asseguraria recursos para a compensação que será paga pela União acabou ficando para depois. Segundo ele, um “novo dispositivo” está sendo pensado.
Segundo apurou o Grupo Estado, a ideia do governo é que a compensação, via parcela do seguro-desemprego, mais a “ajuda” do empregador somem, ao menos, um salário mínimo (R$ 1.045). A necessidade de a empresa ajudar o empregador ficará explícita para evitar qualquer novo ruído em torno da medida.
Em entrevista ao Estado, Guedes disse que a compensação da União pode ser equivalente a 25%, podendo chegar a 33% nos setores mais afetados, quando a capacidade de pagamento da empresa será menor.
Esse seria um instrumento a mais à disposição das empresas, que também poderão adotar a redução de jornada e salário em até 50%. Em compensação, o governo vai antecipar aos trabalhadores que ganham até R$ 2.090 uma parcela equivalente a 25% do seguro-desemprego a que teria direito. Na prática, o montante ficará entre R$ 261,25 e R$ 381,22.
A principal razão por trás do “descasamento” escancarado foi a demora na liberação do crédito de R$ 10 bilhões necessários para implementar a ajuda com dinheiro da União. Essa MP com os recursos demorou mais tempo para sair por conta da checagem da parte orçamentário-financeira.
Em reunião tensa na sexta-feira, um grupo de auxiliares de Guedes já havia apontado o problema e o risco de anunciar a MP sem a compensação. Houve grande discussão, mas a cúpula do ministério optou em seguir com a estratégia e deixar a compensação para uma segunda MP, o que causou a confusão.
OUTRAS MEDIDAS
Os demais dispositivos da MP editada no domingo continuam em vigor. O texto permite a adoção de teletrabalho, a antecipação de férias, a concessão de férias coletivas, o aproveitamento e a antecipação de feriados, entre outros.
Economistas e sindicalistas criticam falta de coordenação
As idas e vindas do governo, com a mais recente publicação da Medida Provisória (MP) 927 e o recuo do trecho que previa a suspensão dos contratos de trabalho e de salários por quatro meses sem contrapartida das empresas, preocupam quem acompanha o mercado de trabalho.
“A MP, em si, não faz sentido. O fato de o artigo ter sido revogado horas depois da publicação mostra como o governo está perdido. É preciso ter uma rede de sustentação das pessoas, com renda básica emergencial”, disse em suas redes sociais Monica de Bolle, economista e pesquisadora do Peterson Institute, nos Estados Unidos.
O economista e professor da Universidade de São Paulo (USP) José Pastore, especializado em relações do trabalho, ponderou que, em uma “crise dantesca” como a atual, a desburocratização de medidas, como a de suspensão temporária do contrato de trabalho (ou lay-off), teria efeito rápido e viabilizaria a manutenção de empregos.
Pastore defende também mais injeção de dinheiro por parte do governo para a manutenção de empregos, a exemplo do que está sendo feito em países como Alemanha, Reino Unido e EUA.
No caso do lay-off, Cássia Pizzotti, sócia da área trabalhista do Demarest, ressaltou que a Constituição estabelece que as negociações sejam feitas entre empresas e sindicatos de trabalhadores e que uma MP não pode torná-las negociações individuais.
Para o sócio da área trabalhista do L.O. Baptista Advogados, Fabio Chong, uma nova medida poderia ser anunciada estabelecendo, por exemplo, o pagamento de salário desemprego aos funcionários que fossem afastados temporariamente.
CENTRAIS SINDICAIS
Sem diálogo com o governo, as maiores centrais sindicais do país têm negociado diretamente com o Congresso medidas de emergência. É como se o Brasil não tivesse mais presidente, resume um dos dirigentes.
“Quando se está em meio a uma crise, é necessário ter coordenação, um grupo com autoridade. Este governo é completamente doido”, disse o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sérgio Nobre. O ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC revelou que as seis centrais do país estão sugerindo a criação, com o Congresso, de um gabinete de crise, que proponha soluções para proteger formais e informais durante a epidemia.
O presidente da Força Sindical, Miguel Torres, avalia que, mesmo com a revogação das suspensões de contrato de trabalho, a “MP da madrugada” tira o poder dos sindicatos e implementa as negociações individuais entre empresas e trabalhadores.
“O trabalhador nem sabe o que está acontecendo. Quem toma essas medidas são pessoas ignorantes, sem liderança e que podem levar o Brasil a uma violência que nunca ocorreu”, avalia o presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah.
No Twitter, políticos da oposição levantaram a hashtag #BolsonaroGenocida, que alcançou o primeiro lugar dos trending topics.