
O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), assinou na última quinta-feira (18) a Medida Provisória 984/2020 – que, dentre outros pontos, altera a forma de negociação dos clubes com as emissoras de TV sobre os direitos de transmissão das partidas. O que poderia significar a independência dos clubes e nova fase das exibições das partidas pode se tornar um problema para o futebol brasileiro, na visão de advogados especialistas na área.
A Medida Provisória diz que, a partir de agora, os clubes mandantes terão o direito de negociar pela transmissão da partida. Antes, seguindo a Lei Pelé, uma emissora de TV só poderia passar um jogo caso tivesse acordo com as duas equipes.
O Estadão ouviu advogados do direito desportivo, sem ligação com clubes ou canais de TV, para saber o que pensam sobre o assunto. De modo geral, afirmam que a MP não tem validade sobre os contratos em vigência, ou seja, campeonatos estaduais e nacionais não deverão sofrer mudanças em relação aos direitos de transmissão até que o atual contrato se encerre – a maioria deles vai até 2024.
“Entendo que as regras do jogo não podem ser mudadas com o campeonato em andamento. Assim, os efeitos da MP seriam válidos apenas para os novos contratos de transmissão. Os contratos já firmados devem obedecer as leis vigentes à época de sua assinatura devido ao chamado ato jurídico perfeito. Se a lei demandava que, para uma partida ser transmitida, ambos os clubes tivessem contrato com a mesma emissora, é isto que deve valer até o final deste contrato. Caso contrário, o futebol virará uma bagunça, sem qualquer segurança jurídica”, disse Eduardo Carlezzo, advogado especializado em direito desportivo.
Leonardo Andreotti, advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, adota a mesma linha de raciocínio. “A MP não me parece ter validade em cima dos contratos em vigência. Esse tema do direito de arena é extremamente sensível, específico e complexo, demandando estudo pormenorizado da questão, no que resulta nada conveniente tratá-lo via MP”, destacou. “Tratar o assunto de forma urgente talvez não tenha sido o melhor caminho”, completou.
“O que é melhor para os clubes e para o esporte: a negociação individual do mandante ou a negociação coletiva pelos clubes? Parece-me que a negociação de forma coletiva beneficia a coletividade, resultando em maior equilíbrio financeiro e, consequentemente, técnico da competição que disputam”, questionou Andreotti.
Para Carlezzo, a MP pode criar um abismo ainda maior entre os clubes. “Esta MP representa um risco para o futebol brasileiro, pois claramente é casuística, sem qualquer urgência ou relevância, que seriam seus pressupostos constitucionais. Poderemos ter 20 emissoras diferentes transmitindo o Campeonato Brasileiro. Isso gerará aos clubes grandes super contratos, multimilionários, e os clubes médios e pequenos receberão apenas as migalhas que sobrarem, aprofundando o abismo financeiro no futebol brasileiro”, destacou o advogado.
O temor é que as emissoras de TV paguem alto valor para os grandes, que darão maior audiência, enquanto os times medianos ou pequenos receberão valores bem menores, já que a emissora terá interesse real apenas nas partidas em que esses clubes enfrentarem os principais.
No Rio, a TV Globo tem acordo com quase todos os clubes para transmissão do Estadual. A exceção é o Flamengo, que diz ter a intenção de passar seus jogos na Fla TV, seu canal de YouTube. Na quinta-feira, logo após o anúncio da assinatura da MP, a emissora carioca divulgou nota deixando clara que não vai mudar as transmissões das competições com contratos já firmados e quem passar os jogos do qual tem a exclusividade de transmissão poderá ser processado.
“A Globo esclarece que a nova legislação, ainda que seja aprovada pelo Congresso, não modifica contratos já assinados, que são negócios jurídicos perfeitos, protegidos pela Constituição. Por essa razão, a nova MP não afeta as competições cujos direitos já foram cedidos pelos clubes, seja para as temporadas atuais ou futuras. A Globo continuará a transmitir regularmente os jogos dos campeonatos que adquiriu, de acordo com os contratos celebrados, e está pronta para tomar medidas legais contra qualquer tentativa de violação de seus direitos adquiridos”, afirma.
A Medida Provisória é um ato com força de lei, adotado pelo presidente da República, em casos de relevância e urgência. Tem validade de 60 dias, prorrogáveis por igual período. Se não for aprovada no prazo de 45 dias, contados da sua publicação, a MP tranca a pauta de votações da Casa em que se encontrar (Câmara ou Senado) até que seja votada.
Quando a MP chega ao Congresso, é criada uma comissão formada por deputados e senadores para aprovar parecer sobre a matéria. Em seguida, o texto vai para o Plenário da Câmara e depois para o do Senado. Se a Câmara ou o Senado rejeitá-la, os parlamentares têm de editar decreto para disciplinar os efeitos jurídicos gerados durante sua vigência.
Se o conteúdo de uma MP for alterado passa a tramitar como projeto de lei. Depois de aprovada na Câmara e no Senado, a MP é enviada à Presidência para sanção. O presidente pode vetar o texto parcial ou integralmente, caso discorde de eventuais alterações feitas no Congresso. Se aprovada, a MP se torna lei.